sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Propaganda racista, conspiração e cannabis

Um artigo incompetente que associava maconha, crime e insanidade foi publicado no Journal of Criminal Law and Criminology em 1932, passando a ser frequentemente citado a partir de então como um estudo definitivo. Os autores, L.E. Bowery, um policial de Whichita, no Kansas, e M.A. Hayes, afirmaram que o usuário de maconha é capaz de:

grandes proezas de força e resistência, durante as quais nenhuma fadiga é sentida... Os desejos sexuais são estimulados e podem conduzir a atos antinaturais, como exibição indecente e estupro... (O uso da maconha) termina na destruição dos tecidos e centros nervosos do cérebro, e produz danos irreparáveis. Se prolongado, o resultado inegável é a insanidade, qualificada por aqueles que a conhecem como absolutamente incurável, e culminando, sem exceção na morte.”

Embora os promotores da moral costumassem proclamar que a maconha gera uma droga abominável, sedutora, que causava insanidade e crime, a Cannabis sativa foi proibida nos Estados Unidos por razões que estavam tão ligadas a racismo e economia quanto a moralidade. Uma associação arbitrária que vinculava que a “loucura da maconha” com mexicanos, afro-americanos, jazz e violência havia sido adotado por doutrinadores, cujos temores e fantasias eram alimentados pela mídia. “Conserve a América americana”, era a fórmula usada pelos que buscavam transformar em bodes expiatórios as minorias raciais e as ondas de novos imigrantes, exibindo como uma ameaça para a moralidade da nação em histórias sensacionalistas de primeira página que encontraram seu epítome na imprensa marrom de William Radolph Hearst. Este odiava minorias e usava sua cadeia de jornais para agravar tensões raciais em todas as oportunidades. Era sabido que os jornais de Hearst afirmavam que a cocaína levava os negros a estuprar mulheres brancas – até que a cocaína saiu de moda, momento em que a maconha passou a ser responsável pela violação de mulheres brancas por negros.
Propaganda da década de 30 aponta os 'perigos' da erva
Hearst odiava especialmente os mexicanos. Seus jornais retratavam os mexicanos como preguiçosos, degenerados e violentos, além de fumantes de maconha e ladrões de empregos. È bem possível que o verdadeiro motivo por trás desse preconceito fosse o fato de Hearst ter perdido 320 mil hectares de floresta nativa para o exército de Pancho Villa, o que sugere que seu racismo era alimentado pela ameaça mexicana a seu império.
O ativista do cânhamo Jack Herer, que publicou em 1994 o livro O rei está nu, afirma convincentemente que a cannabis foi proibida nos Estados Unidos não só por razões “morais”, mas por razões econômicas. Os produtos de cânhamo ameaçavam certos grupos de interesse financeiros e industriais, que conspiraram para destruir a indústria dando apoio aos zelosos reformadores morais que visavam sua proibição em nível federal. As industrias petroquímica e de polpa de celulose, em particular, corriam o risco de perder bilhões de dólares se o potencial comercial do cânhamo fosse plenamente explorado. Herer cita Hearst e Du Pont como dois dos grupos de interesse mais responsáveis pela orquestração da extinção da manufatura do cânhamo. Na década de 1920, a companhia Du Pont desenvolveu e patenteou aditivos para combustíveis como o chumbo tetraetil, bem como os processos de manufatura de polpa e celulose baseados no sulfato e no sulfito, e vários novos produtos sintéticos como o náilon, o celofane e outros plásticos. Ao mesmo tempo, outras companhias estavam desenvolvendo produtos sintéticos a partir de recursos renováveis de biomassa – especialmente o cânhamo. O decorticador de cânhamo prometia eliminar em grande parte a necessidade de polpa de celulose, ameaçando assim reduzir drasticamente o valor das vastas áreas de florestas que Hearst ainda possuía. A Ford e outras companhia já estavam prometendo fazer com carboidratos de cânhamo todos os produtos que aquele momento eram feitos com hidrocarbonetos de petróleo. Em resposta, de 1935 e 1937, a Du Pont pressionou o principal conselheiro do Departamento do Tesouro, Herman Oliphant, em prol da proibição cannabis, assegurando-lhes que os petroquímicos sintéticos da Du Pont (como o uretano) podiam substituir o óleo de semente de cânhamo no mercado.
Algumas grandes companhias farmacêuticas também estavam em situação de ganhar com a proibição da cannabis, uma vez que seus tranquilizantes sintéticos de formula patenteada (como barbitúricos) iriam encontrar espaço no vazio deixado pela proibição daquele relaxante natural. Ao mesmo tempo, algumas companhias estavam distribuindo toneladas de maconha no Texas e no sudeste, onde era vendida no balcão em pacotes de 30 gramas, em tinturas, e por reembolso postal. Em El Paso, no Texas, farmacêuticos foram entrevistados para um relatório para um relatório destinado ao USDA (United States Department of Agriculture) que visava determinar se a “erva louca” mexicana era um problema a exigir intervenção federal. As respostas que eles deram refletiam conscientemente – e perpetuaram – a propaganda racista associada à maconha. Sem preocupação alguma com a objetividade, o relatório governamental afirmava que a maconha era comprada por mexicanos “de baixa extração” para fins de prazer e medicinais, inclusive o tratamento de doença venérea; outros compradores incluíam negros, choferes e brancos de baixa classe como aqueles afeitos ao uso de drogas geradores de dependência e parasitas do submundo. Com propaganda e influência política, a Du Pont, a Hearst e seus associados dirigiam seus esforços para esmagar a competição representada pelo cânhamo, e tiveram êxito.

Texto extraído de "O grande Livro da Cannabis" de Rowan Robinson. Guia de uso industrial, medicinal e ambiental.

3 comentários:

  1. Muito obrigada pelo comentário. Espero que em breve escreva sobre o Raul. Tenho muita coisa sobre ele, mas vou escrever aos poucos.

    Abração

    ResponderExcluir