terça-feira, 31 de agosto de 2010

Epígrafe para um Livro Condenado

O VENENO
Sabe o vinho vestir o ambiente mais espúrio
Com seu luxo prodigioso,
E engendra mais de um pórtico miraculoso
No ouro de um vapor purpúreo,
Como um sol que se põe no ocaso nebuloso.

O ópio dilata o que contornos não tem mais,
Aprofunda o ilimitado,
Alonga o tempo, escava a volúpia e o pecado,
E de prazeres sensuais
Enche a alma para além do que conter lhe é dado.

Mas nada disso vale o veneno que escorre
De teu verde olhar perverso,
Laguna onde minha alma se mira ao inverso...
E meu sonho logo acorre
Para saciar-se nesse abismo em fel imerso.

Nada disso se iguala ao prodígio sombrio
Da tua saliva forte,
Que a alma me impele ao esquecimento num transporte,
E, carreando o desvario,
Desfalecida a arrasta até os umbrais da morte!

EPÍGRAFE PARA UM LIVRO CONDENADO
Leitor pacífico e bucólico,
Homem de bem, austero e lhano,
Joga fora este saturniano
Livro, orgíaco e melancólico.

Se não herdaste o dom hipnótico
De Satã, o astuto decano,
Irias ler-me por engano,
Ou me terias por neurótico.

Mas se, sem teus olhos piscar,
Do abismo os horrores conheces,
Lê-me afinal que me hás de amar;

Alma curiosa que padeces
E buscas no éden teu abrigo,
Tem dó de mim... Ou te maldigo!

"As Flores do Mal", Charles Baudelaire (1821 - 1867), foi um dos precursores do simbolismo

4 comentários:

  1. Baudelaire é um poeta indispensável. Beijos!

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  2. O que são os poetas?
    Quem poderá me responder?
    Dizem que eles vieram do céu
    Numa cauda de cometa
    Esses seres que outrora foram estrelas
    E aqui na Terra são vistos como loucos,
    Banais como tantos outros
    Mas o que ninguém sabe
    E que ninguém nunca irá saber
    É que os poetas são seres transcendentes
    De uma capacidade inigualável
    De se colocar no lugar de qualquer ser.

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